Tentar permanecer otimista está fazendo mais mal do que bem
Chega de FONO. Como reconhecer e quebrar o hábito da “positividade tóxica”.
Quando seu paciente começou a falar sobre notas médicas, a neuropsicóloga Judy Ho decidiu intervir.
Seu cliente, um empresário extremamente bem-sucedido, era rico, tinha um casamento feliz e era bem visto por seus colegas. O problema eram os dias em que ele se sentia deprimido e abatido, mas incapaz de admitir isso.
Para o paciente, a única maneira de lidar com isso era regredir, como um colegial, e buscar a permissão de um médico para se reagrupar.
“Ele sabia que não estava doente, mas iria entrar e inventar algo”, diz Judy, “só para poder tirar um dia de folga e ficar bem consigo mesmo”.
Ela reconheceu que o paciente estava sofrendo de um mal-estar contemporâneo crescente.
“Ele sempre teve que demonstrar seu valor para as pessoas”.
Ele pensava:
‘Devo transmitir esta imagem de sucesso e uma vida feliz que todos passaram a conhecer sobre mim, e não quero jamais mudar essa imagem’.
Isso é positividade tóxica.
Chame isso de FONO (Fear Of Negative Outcomes) ou medo de uma perspectiva negativa. Também conhecido como “positividade desdenhosa”, é expresso como uma alegria forçada, não importa o quão ruim as coisas estejam.
Redes sociais
Você vê isso no Instagram, onde o filtro afetivo é sempre otimista. Ouve isso do instrutor da academia exortando você a suar mais, a despeito da dor. Essa positividade está em todo lugar, é onipresente. Afinal, ela “está dentro de nós“. Você pode até reconhecê-la no chefe que insiste para que os colegas comecem todas as reuniões do Zoom compartilhando uma boa notícia para ajudar a manter o humor alegre em meio à escuridão.
Pense nessa mentalidade como aquela que responde a toda ansiedade ou tristeza humana com otimismo intransigente.
Ele pode ser encontrado em frases que começam com as palavras negativas “pelo menos”, que são seguidas por uma sugestão de que, por pior que você esteja se sentindo, pelo menos você tem muitas outras coisas que devem compensar e superar isso.
Mesmo a insistência opressiva de que devemos amar nosso corpo, não importa o que aconteça, pode levar à intolerância otimista, sugerindo que não é certo querer trabalhar nas dobras da barriga ou nas rugas de expressão.
O FONO pode impulsionar qualquer autoconfiança delirante, sejam políticos tentando escapar dos fracassos da Covid-19 com chavões sobre força ou vendedores ambulantes vendendo uma chance de progredir.
As pessoas comuns, em busca de inspiração e segurança, tornaram-se os alvos principais desses vendedores de entusiasmo.
A filiação à International Coach Federation, órgão de coaching de vida, aumentou de quase 4.700 no mundo todo em 2001 para mais de 41.000 hoje.
A ‘esteira de conquista’
Pessoas bem-sucedidas são as mais propensas a cair nessa forma de pensar, diz Naomi Torres-Mackie.
Como chefe de pesquisa da Mental Health Coalition e psicóloga praticante no Lenox Hill Hospital de Nova York, ela trabalha extensivamente com pacientes presos no que ela chama de “esteira de conquistas”. É aí que a dúvida e a reflexão são postas de lado em favor de um espírito entusiasta e ativo.
Veja o financista recém-casado que ela tratou.
No auge de sua carreira, seu único problema identificável era a insônia. Enquanto trabalhava com Torres-Mackie, o Wall Streeter reconheceu que a causa era sua fixação em como ele se comparava aos outros.
As únicas perguntas que ele se perguntou foram:
‘Quanto sucesso estou tendo e o que meu chefe está pensando?’, diz ela.
“Ele estava tão focado em criar uma imagem perfeita, feliz e positiva, que não deixou espaço para processar e digerir as coisas difíceis.”
Só depois de deitar à noite essas preocupações viriam à tona e o manteriam acordado. Seu tratamento depois se concentrou em quebrar a conexão que ele estabeleceu entre parecer feliz e ser bem-sucedido.
Para a geração atual, as origens dessa positividade emocional estão na década de 1990, quando o então presidente da American Psychological Association, Martin Seligman, postulou que o pessimismo é um comportamento aprendido. Portanto, ele pode e deve ser evitado.
“Alguns dos melhores momentos da vida, quando você realmente se sente bem, são cheios de emoções misturadas”
Essa observação se transformou em best-sellers como O Segredo, publicado pela primeira vez em 2006 pela executiva da TV australiana que se tornou autora, Rhonda Byrne.
Ele foi popularizado depois que Oprah Winfrey defendeu seu ethos.
Cultura organizacional
Essa bíblia revolucionária foi essencialmente construída com base em afirmações de que o poder do pensamento positivo forneceria tudo o que você quisesse, seja um bebê ou um Mercedes-Benz.
A cultura corporativa contemporânea exacerba essas tendências.
Antes da pandemia, os funcionários eram incentivados a ficar felizes porque trabalhavam em um escritório, talvez, com mesas de pingue-pongue e almoços grátis. Agora, em um mundo que trabalha em casa, eles são incentivados a serem gratos simplesmente por ter um emprego.
Whitney Goodman, psicoterapeuta em Miami, explica que esses locais de trabalho criam um beco sem saída, onde os funcionários não são capazes de levantar preocupações por medo de não serem vistos como um trabalhador de equipe ou dignos de uma promoção. Preso a preocupações não expressas, é mais provável que falhem no final.
Relatórios clínicos reforçam sua tese. Um estudo de 2018 publicado no Journal of Personality and Social Psychology ecoou pesquisas anteriores ao descobrir que as pessoas se sentiam mais tristes quando se esperava que ocultassem tais emoções.
Brett Ford, professora de psicologia da Universidade de Toronto e uma dos autores do estudo, diz que viver com a positividade tóxica requer desviar o olhar dos problemas, ao invés de encarar os sentimentos antigos desconfortáveis.
“Observe-os, deixe-os em paz, tente não afastá-los”, diz ela, “e eles passarão. As emoções devem ser experiências de vida relativamente curta.”
Então, como lidar?
Judy Ho, a neuropsicóloga, tem uma sugestão inesperada para ajudar a calibrar uma perspectiva Poliana: uma sessão assistindo Divertida Mente (Inside Out) da Disney-Pixar, que anima e dramatiza emoções humanas.
“Um dos melhores antídotos para a positividade tóxica é reexaminar seu sistema de valores e entender que alguns dos melhores momentos da vida, quando você realmente se sente bem, são cheios de emoções confusas”, diz ela. “E é isso que devemos abraçar como seres humanos.”
Junto com você, permitir que os outros expressem negatividade também é vital.
Elimine as palavras “pelo menos” de seu vocabulário emocional, recomenda Judy Ho, e concentre-se na escuta reflexiva. “Repita o que você acha que ouviu, sem adicionar nada a isso. Você nem sempre tem que fazer um curativo ou perguntar, ‘O que eu posso fazer?’ ”
Não é nenhuma surpresa que Byrne também retorne agora. Sua sequência, O Maior Segredo, foi lançada em novembro. A sinopses recomendam a leitura do livro, e você poderá remover toda a negatividade. – Como se isso devesse ser um objetivo central na vida. (Mais de 80% das avaliações de usuários da Amazon.com deram cinco estrelas.
“Este ano, com crise após crise, voltamos às formas instintivas de enfrentamento que nos incutiam desde tenra idade – que precisamos ser positivos para superar isso”, diz Goodman.
“É verdade que precisamos ter alguma consciência de que isso não vai durar para sempre, mas também temos que atentar para o fato de que, bem, isso não é normal.”
Referência(s)
Mark Elwood -Trying to Stay Optimistic Is Doing More Harm Than Good.